[N. 142 | 2025]

Máquina de leite [fragmento]

Szilvia Molnar

John e eu estamos jantando e ele está dando mamadeira para Button, pois assim posso terminar de comer. Nós tentamos transar ontem à noite. Ficamos um em cima do outro na cama, como caixas de papelão empilhadas, e duramos talvez uns cinco minutos. A única coisa que senti foram os solavancos lentos e ritmados de nosso maquinário. Senti o cheiro da pele dele, com um leve aroma de sândalo. O resto de mim estava vazio. Não há muito o que dizer e neste caso é difícil nos situar em relação ao tempo. Apesar de ter recebido o “ok” do médico para poder transar de novo e isso funcionar como marcador da passagem dos nossos dias e semanas, ainda não fazia muito tempo desde o nascimento de Button. É justamente essa a maleabilidade do tempo após o parto — o corpo, suponho, é igualmente maleável.

À mesa de jantar e entre garfadas, recém-saída do banho e vestindo meu robe, quero explicar para John como, por um tempinho, me senti uma caixa vazia. Quando estávamos na cama, e ele estava em cima de mim, imaginei que eu estava segurando a caixa que era eu mesma e que o ato do sexo era eu segurando a caixa.

E você era só um pênis.

Ele escuta.

Uma piroca.

Ele não consegue conter o sorriso.

Não começa a rir, eu tô falando sério.

Tá bom, tá bom. Ele concorda com a cabeça.

John está tentando coordenar a mamadeira e o ato de ninar enquanto eu tento descrever um ato no qual ele também estava presente. Ele tenta participar da conversa.

Você se lembra daquela mulher com quem eu dividi meu primeiro apartamento aqui na cidade? Ele sorri com doçura. Ela engravidou logo depois de ter conhecido o namorado, sabe, aquele carpinteiro muito gente fina. Eu me lembro dela dizendo que transar depois de parir é meio que nem jogar uma salsicha num corredor. Ele começa a dar risinhos e abocanha uma garfada de comida. Eu o observo e fico esperando um pedaço de espinafre cair no peito de Button, quase abismada com o que ele acabou de me dizer.

Valeu.

Button está sacolejando junto com ele, que continua rindo.

Sempre achei que era um jeito engraçado de descrever a coisa ele comenta e continua a mastigar.

Entendi.

Tiro meu robe e, meio passivo-agressiva, deixo-o no chão.

Mas, enfim, não se preocupa ele acrescenta depois de eu já ter saído da mesa. Já, já o seu corpo volta a ser o que era.

Não consigo suportar o fato de que tudo o que ele diz é uma frase pronta, um punhado de palavras pré-redigidas que são fáceis de falar só por falar. Na minha cabeça imagino uma briga inteira entre nós dois e me vejo proferindo os xingamentos mais imundos que conheço na direção dele. Ele chora no final, exatamente o meu objetivo. Esta raiva que sinto não entende proporções, mas, assim como eu, é covarde, desiste rápido e se transforma em tristeza. Está tão cansada quanto eu, que sequer consigo voltar até lá e mostrar minha decepção.

Naquela noite, o sono profundo de John é particularmente enlouquecedor. Na cama rodeada pela escuridão azul, com ele ao meu lado e Button lá no outro quarto, sinto a pressão do ar no espaço inteiro. Minha escrivaninha continua em seu canto, em uma espera estoica, uma negligência óbvia. A lombada do próximo romance que devo traduzir sequer foi quebrada, está apenas juntando poeira. Eu talvez seja a única pessoa acordada em todo o prédio. Sozinha, conjuro tênues memórias do acordeão de Peter, faço as teclas mortas tocarem de novo pelo teto e desejo que meu vizinho ainda estivesse vivo para tocá-las. O fole se expande devagar, liberando suspiros de extremo conforto. A respiração longa e devagar do instrumento embalaria o sono de qualquer outra pessoa. Imagens acolhedoras aparecem: um barco se recolhendo à doca; uma cidade acordando pela manhã; um vento soprando por um campo vazio.

Vejo o teto se abrindo e eu subindo para me deitar no chão do andar de cima. O teto se fecha logo atrás de mim. Meus olhos estão cerrados para a canção de ninar que sopra ao fundo. Me dou permissão para não fazer nada – o magnífico nada – e posso dormir se quiser, descansar se quiser, e eu quero sim. Mas Button

Lá vem ela.

Ela precisa de mim novamente, então a recolho em meus braços e a levo até o sofá na sala de estar. No caminho, pego meu robe do chão e embrulho nós duas dentro dele.

Nós nos sentamos e o fato de eu não sentir fome ou sede me surpreende. Uso uma manta de lã para nos cobrir e sinto o calor instantâneo que ela proporciona. Devo sufocar Button de uma vez e fingir que foi um acidente?

Pego uma almofada para as minhas costas mas, em vez disso, pego uma almofada para colocar em cima de Button e em cima dessa almofada ponho minha cabeça e com a cabeça na almofada fecho os olhos e ali fico, parada, bem parada.

Neste sonho, eu a matei, mas, aqui, nós duas pegamos no sono.

A melodia do acordeão é o murmúrio da geladeira, o zumbido do relógio digital no forno, os fracos barulhos da rua lá fora, o ar estagnado dentro do apartamento. Já virou uma canção que eu sei de cor.

Em nosso desajeitado ninho escurecido, entre sono e vigília, desempacoto Button e começo a asseá-la. Não consigo ver a cor, mas pela maciez percebo que entre os dedos dela há bolinhas de algum tecido. Sem pressa, vou examinando, tateando. Ela me parece uma combinação de todos os animais que já vi. A pele quase transparente de um coelho recém-nascido, os olhos inchados de um filhote de cachorro, o choramingo de um filhote de gato. Eu deveria estar descansando, mas cá estou, de novo, remexendo. Xeretando. Choramingando. Maternando?

Mal e mal.

Kära Mamma. Minha querida mãe, não posso acreditar que você não está aqui.

Recolho cera dos ouvidos dela, mole como cera de abelha, que desaparece quando esfrego entre os dedos e deixa a pele levemente oleosa. Mordisco suas unhas; são suaves, sem sabor. Arranco um pedaço pequeno, mirrado e roído por vez. Raspo lascas de pele descamada de seus pés. Limpo o leite talhado que se embrenhou em suas inúmeras dobrinhas. Mastigo este corpo que eu e John criamos, mas não o machuco. Talvez amanhã eu tente conversar com meu marido.

Miffo?

Ta aí, Miffo?

O cômodo não responde e Button solta um pum.