[N. 162 | 2025]

MAMA: um relato de maternidade homoafetiva [fragmento]

Marcela Tiboni

Amamentar tornou-se um hábito. Faz alguns dias que o Bernardo e a Iolanda nasceram, e eu tenho amamentado dezenas de vezes por dia. Colocar o peito para fora e oferecer a meus filhos é um gesto já incorporado à rotina. Mas a simbologia desse ato tem se transformado diariamente.

Quando comecei a amamentar, ainda na maternidade, significava apenas alimentação. Um dos bebês chorava, eu achava que era fome e oferecia instintivamente o peito como forma de alimento. O choro cessava imediatamente, e aquilo me acalmava. Passei uma semana amamentando dessa maneira: a cada choro, o peito servia como alimento. Quando eles completaram quinze dias, comecei a não dar conta de produzir a quantidade de leite necessária para alimentá-los. Foi um choque, um certo desespero: o que eu estava fazendo de errado? Como fazer para a quantidade de leite aumentar? Mesmo estando muito bem amparada por uma equipe médica incrível, essa é uma pergunta para a qual não há respostas. A quantidade de leite que uma mulher produz, seja mãe solo, casada com homem ou com mulher, não é mensurável, não é calculável e, principalmente, não pode ser planejada. Por indicação da consultora e da pediatra, comecei a usar cápsulas de feno grego (que, mesmo sem comprovação científica, é conhecido por ajudar na produção de leite materno), aumentei a dose da medicação que induz a produção de prolactina, passei a tomar quantidades malucas de chás variados à base de ervas que estimulam a produção de leite. Todos esses esforços renderam frutos, mas não foram suficientes, eu conseguia alimentar um bebê, não dois.

Com certa angústia, recorri a grupos de casais homoafetivos nas redes sociais, queria saber dos outros casais que passaram pela indução da lactação como elas tinham conseguido aumentar a produção de leite. E eis que descobri uma nova realidade. Todas as mulheres com quem conversei, que passaram pelo mesmo protocolo que eu, não produziram uma quantidade muito grande de leite no começo, nada comparável com mãe que gestou. O único parâmetro de quantidade que elas podiam me passar era referente ao leite extraído pela bomba elétrica, mas a quantidade retirada com bomba é incomparável com a extraída pelo bebê ao mamar. Saber disso acalma e preocupa na mesma intensidade. Eu estava produzindo cerca de 25 ml a cada vez que usava bomba, a Mel, com histórico de cirurgia de redução de mama, também não estava produzindo muito mais que isso. No começo, fizemos uso de fórmula através da translactação, indicada pela dra. Renata, porque os bebês ficavam no peito um tempo infindável, não ganhavam peso o suficiente e ficavam muitos dias sem fazer cocô. Ou seja, mesmo com quatro peitos, a quantidade inicial de leite não foi suficiente. Sabíamos desde o início dos grupos de risco dos quais fazíamos parte: eu não havia gestado e a Mel havia feito cirurgia de redução de mamas, sem falar que tínhamos dois bebês mamando de uma vez. Como dizia nossa consultora Kely, “amamentação não é só peito e boca”. Existem muitos outros fatores. Conforme conversava com essas mães, fui me tranquilizando e entendendo os múltiplos significados da amamentação. A quantidade de leite aos poucos iria aumentar, nós precisaríamos ter paciência e tranquilidade.

Eu nunca havia imaginado amamentar, e, quando a Mel engravidou, isso me pareceu ainda mais distante. Agora a amamentação é uma realidade diária em minha vida. Claro que nem tudo que vivo é bonito e prazeroso: amamentar cansa e às vezes dói. Acordar quatro vezes por noite para dar o peito é exaustivo, não conseguir almoçar, jantar, tomar um café, não poder pegar um garfo caído no chão, tomar banho na hora desejada, ou seja, ficar em função do peito e dos bebês, é extremamente cansativo e, por vezes, angustiante. Numa madrugada em que a Iolanda não dormia, e já eram 3h da manhã, chego a pensar em desistir, entregar a função exclusivamente para a Mel. Não queria simplesmente ter de tomar tantas decisões complicadas diariamente. Será melhor sairmos agora ou depois de amamentar? Será melhor dar fórmula? E se dermos chupeta para ficarem menos tempo no peito? Talvez uma mamadeira, para podermos dormir mais? Se eu parasse de amamentar, não precisaria mais tomar essas decisões, me refugiaria num discurso de empoderamento feminino, “seu corpo, suas regras”, para dizer que respeitaria e apoiaria as decisões dela. Quando, na verdade, era única e exclusivamente o meu desejo de não precisar decidir mais nada. Além de ficar com a responsabilidade de amamentar, a Mel ainda teria que tomar algumas decisões para nós mais difíceis dessa fase da maternidade. Não, não desisti. No dia seguinte, fiquei envergonhada de ter pensado nessa possibilidade. A privação de sono e de liberdade não me levariam a abandonar nosso projeto de criação em parceria.

A dor também foi muitas vezes um entrave à amamentação. Depois de duas semanas, meus seios começaram a ficar sensíveis e doloridos. A boca deles crescia, e a força de sugar, também. Oferecer o peito às vezes era incômodo, principalmente quando eles estavam com alguma dor. Puxavam o mamilo para frente e eu vivia com a sensação iminente de que iria encontrar meu mamilo pendurado na boca deles a qualquer momento. Mandei muitas mensagens para a Kely e a dra. Renata. Precisava de ajuda, de incentivo, precisava saber que tudo iria melhorar para continuar amamentando. Elas me ajudavam, me acalmavam, me indicavam procedimentos para ajudar a amenizar a dor. Mas era a Mel quem mais me ajudava nesses momentos, em que a parceria se transformava em cumplicidade. Quando ela percebia que a dor era grande, pegava o bebê que estava comigo e terminava de amamentar.

Com o passar dos dias, percebi que a amamentação vai muito além do alimento. Transforma-se em cama, pois todas as vezes que os bebês querem dormir é no peito que se aninham, sugando até acalmarem e adormecerem. Torna-se remédio, porque quando têm cólicas, gases, se assustam ou qualquer outra sensação que culmina em choro sofrido, é no peito que buscam remédio. O peito transforma-se também em conexão, quando precisam olhar nos olhos e reconhecer em silêncio quem cuida deles para se sentirem seguros. Amamentar é também afeto, como quando estão no colo de alguém e soltam um choro magoado. Ao chegar perto de mim, param de imediato. Dou um cheiro no cangote deles, que se arrepiam e ficam de olhos abertos em um silêncio prazeroso. Depois ganham um peito para se aninhar por completo. A cada dia percebo que meu peito tem mais e mais significados, e vou me descobrindo também dentro de um corpo feminino, compreendendo na pele o que separa uma mãe de um pai, não na nomenclatura, mas nas possibilidades dos corpos: me vejo a cada dia mais como mulher, cuidadora, mãe. Quando dou por mim, o ato de amamentar se transformou, da noite para o dia, em pura potência. Colocá-los no peito ganha tantas camadas de significado, que já não consigo definir os graus de importância.

Amamentar meus filhos tem sido um dos atos mais simbólicos da minha recente maternidade. Nunca me descobri tanto em tão curto espaço de tempo como agora. Nunca me olhei com tanta curiosidade e beleza, nunca observei meu corpo em tantos detalhes e nunca prestei tanta atenção a meus movimentos como faço agora. Agradeço a mim mesma por ter me permitido viver essa experiência transformadora e avassaladora. Não saberia dizer como seria maternar sem amamentar, o que eu teria descoberto sem essa extensão do meu corpo no corpo dos meus filhos. Sei que o que descubro agora tem me tornado outra. Eu poderia ter escolhido viver esse início da maternidade de diversas maneiras, mas decidi viver através da amamentação. Não sei quantos dias ou meses ainda vai durar, e na verdade pouco importa, porque o que vivi até agora, tudo que entendi sobre mim, é suficiente para me tornar alguém que nunca me imaginei capaz de ser.