[N.172 | 2025]

Ancestralidade feminina

Bella Bettoni

Ancestralidade feminina

O amor é como um bordado:
meu nome gravado nas toalhas com as letras cuidadosamente desenhadas,
o crochê das tias, dedos que dançam para escrever o afeto,
as roupas costuradas pela avó com os restos dos sacos,
a bainha da calça feita pela mãe,
também eu – interessada nas arpilleras hermanas – compro novelos no mercado central.

Costurar, remendar, cravar no tecido (da pele) a história.

Sozinha

I — Habitar a casa
em silêncio
saboreando o tempo
que se abre: desdobra
em medos. angústias.
Mas também — prazeres
tão banais quanto
deitar na cama em posição diagonal
sem saber qual é o dia do mês
ou a hora da madrugada
em que chega o poema.

II- Massagear os dedos com a
caneta que range
ao encontrar a folha.
Ruído solene: companhia.

III- Usar a madrugada para
pisar o texto com fôlego
(como as uvas nos barris);
deixar o tempo agir.
Ver as palavras ganharem
pequenas rugas,
rusgas,
rasgos.