crianças correndo na rua era uma imagem cotidiana
as ruas eram cotidianas também
o mesmo predinho da esquina
ao lado do bar que vende fiado e os cascos eu trago depois
o mesmo banquinho de cimento na frente do portão
as mesmas árvores com raízes corpulentas quebrando concretos
um tropeço
será que essa raiz já estava ali?
ou o concreto cedeu mais
meu nariz começa a sangrar
um sangue vermelho vívido
que apesar de circular cotidianamente dentro de mim
a gente não vê todo dia
olho entre perplexa e encantada o vermelho em minhas mãos
talvez como algo que eu nunca tivesse visto antes
o oposto de cotidiano
me acode minha avó
me levanta bruscamente em seu colo
e corre em direção à casa dela
com aquela imagem cotidiana
daquela rua cotidiana
minha tia nos encontra no cotidiano banquinho de cimento na frente do portão
pergunta o porquê da minha avó
uma senhora idosa
estar me carregando
se o problema era no nariz
as pernas estavam ótimas
ótimas ou ao menos cotidianas
ao contrário do nariz
como era de se notar
não vejo mais tantas crianças correndo na rua
esses dias visitando a casa não mais cotidiana
habitando um corpo que não mais caberia nos braços de minha avó
caso ela cotidianamente ainda estivesse
entrei no bar que me pareceu quase o mesmo
vi uma placa de não vendemos fiado favor não insistir
os cascos pode sim trazer depois
não tem ninguém esperando no banquinho de cimento na frente do portão
cotidiana é a saudade de um amor que me levante
mesmo que a dor seja em outro lugar
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[N.176 | 2025]
cotidiano
Emmanuelle Rosa