[N.177 | 2025]

Eu perdi minha mãe na praia

Gabriela Conrado

i
castelinhos de areia

sempre fiz o trabalho
por nós duas
na construção de nossos castelinhos de areia
na beira da praia
era eu que enfiava meus dedos aguados
entre areia concha sal
e criava muralhas impermeáveis de estrutura transitória
enfileirava equilíbrios imprecisos
torres pontiagudas arenito erosão e quartzo
não duravam
as ondas vinham a galopes
riscos indefinidos no destino das águas
inundava nossas melhores estruturas
arqueólogos enxergariam de longe
o fim das mais belas construções arcaicas
foi assim também com os dinossauros
eu não desistia
repetia o feito
as mãos
tão quanto as suas em tempos futuros
enlameadas do amarelo cru da praia
esticava suas origens ósseas derretidas
castelos esculpidos na fúria
salas enormes onde nos caberiam
longos corredores de prata e ouro
envergados no calcário latente
generais exércitos de toda parte viriam
aplaudir a exuberância de nossas muralhas de areia
você não me olhava
prestava atenção em qualquer outra coisa
não sabia das janelas e marcas de vitrais
que esconderiam nosso reflexo da luz do sol
não escutou a primeira trombeta
dos primeiros cavaleiros que lá entraram
nem ouviu da boca de Darwin e toda espécie
a genealogia inoperante de nossas arestas
precisava eu ainda te dizer do esforço
do que se passava entre nós
gritava seu nome em desespero
você precisava saber
do risco da próxima inundação
te soava pouco
quase surdo pelos ventos oceânicos

mãe
olha o castelinho de areia que fiz pra você

ii
eu me lembro
primeiro das cores
porque então porque então
ainda era o mesmo
laranja rosa verde
você água-viva
incolor aos sentidos
sumiu-se no mar
mergulhadores vieram
o primeiro deles
meu pai
colocou roupas pretas impermeáveis
sapatos que o fizessem ir mais fundo
tudo na água nos era alienígena
somente você
somente você sabia nadar
depois
foram meus irmãos
chorando pulavam na água escura
fechavam os narizes com o indicador e polegar
a vizinhança veio
em barquinhos coloridos
um a um enfiavam-se de ponta a ponta
no meio do mar
porque então porque então
ainda era o mesmo
e fiquei sozinha
todos submersos
procurando você