Mãe, eu tentei ficar quieta como me pediram
Eu silenciei minha presença
Tentei não fazer volume em nenhum cômodo
Comi sem fazer barulho e bem rápido, depois que todos comeram
Brinquei obrigada com filho de patroa, com filha de patroa
Fiquei em pé, no canto, sem tocar em nada, rezando para ser invisível
Ignorei os olhares de cima a baixo
Ignorei as ofensas
Ignorei as migalhas
Ignorei os brinquedos quebrados
Engolia minhas palavras com medo
Falava tão baixo e tão pouco e apenas quando muito necessário
Sorria quando me mandavam, coisa mecânica
Respondia quando me mandavam, palavras poucas
Não contrariar
Não responder
Não fazer barulho
Não mexer
Inexistir.
Mãe, eu tentei inexistir tantas vezes
Mãe, eu engoli o choro tantas vezes
Mãe, eu chorei sem você tantas vezes
Mãe, eu imaginava você sentindo minha falta
Mãe, tantas vezes eu não aguentei te esperar chegar
Mãe, eu sempre senti teu beijo, mesmo quando estava dormindo
Mãe, eu sinto muito se, pra cuidar da sua cria, você teve que abrir mão de mim tantas vezes pelos filhos dos outros
Mãe, eu fiquei dias sem te ver pra ter comida na mesa, pra ter uma roupa no corpo
Mãe, eu era mais velha e entendi que casa de patroa era um lugar onde eu não era pessoa
e
Onde você era uma máquina, onde sua família não existia, onde sua filha não importava,
mas você era quase da família… se eu inexistisse.
[ arquivo ]
[N.191 | 2025]
Se eu inexistisse
Fernanda Vieira