[N.225 | 2025]

Fímbria

Pi Rossi

Sentadas numas cadeiras azuis de plástico, uma mulher grávida e sua mãe aguardam o chamado do médico. A mulher conserva algo de menina: seu jeito, a roupa rosa bebê com dourado. Está aérea, quase fora de si. A mãe coleciona rugas e o cansaço de uma segunda – talvez terceira – gravidez; zela de perto a filha. Há algo de mãe na menina, ainda que seja apenas um sopro: um murmúrio baixo, distante e incessante em seus ouvidos, que a distrai a todo momento. Penso na minha mãe, que não sabe que estou ali esperando uma consulta também, mas uma consulta diferente. Ou sou eu que me sinto diferente, muito distante daquelas mulheres na minha frente. Eu também tenho medo. E o mesmo nervosismo.

Foi a consulta mais longa que tive em anos. Os médicos costumam ser rápidos: perguntam, examinam, prescrevem e mandam embora. Não querem saber de você. Hoje penso que há algum alívio nisso, nessa falta de deliberação. O consultório da doutora tem imagens de fetos pregadas nas paredes como santinhos. Na mesa, uma foto de família: pai, mãe e filha. Nos cumprimentamos. Eu digo que estou ali para fazer uma laqueadura. Ela me olha com um misto de receio e curiosidade e começa a traçar seu meu-eu-futuro, estranho a mim, uma mistura do que somos eu e ela, entrecortando com afirmações como “não tenho preconceito”, ou algo assim. Há cautela em seu tom, e isso me lembra que todo o medo e o nervosismo me preparam para uma guerra que está ganha. A idade mínima para a esterilização voluntária, no Brasil, foi reduzida de 25 para 21 anos – é um direito garantido por lei.

Como em um interrogatório, a médica me faz perguntas de rotina: quando foi sua última menstruação? Toma algum remédio? Usa algum método contraceptivo? É a primeira vez que escuto o termo nuligesta, e a palavra salta como se a estivessem marcando em mim. As perguntas ganham um novo tom. E se você mudar de ideia? Com muita frequência, mulheres que nunca desejaram ter filhos mudam de ideia depois de certa idade. Eu adoto, respondo. Você sabe quantas crianças órfãs existem no mundo? Neste momento, todos os meus tiques batem continência: arranco as cutículas, mordo a boca, bato as pernas. A doutora começa a apelar, como uma cartomante traiçoeira: um homem… um homem aparecerá na sua vida. Ele te fará mudar de ideia. Sim, sim, quando o encontrares… Estou vendo.

Me lembro do primeiro homem que fincou seu glorioso pau em mim. Tínhamos dezesseis e estudávamos juntos havia uns três anos. Ele morou na minha casa durante seis meses, para que sua mãe pudesse concluir um mestrado em outra cidade. Éramos eu, minha mãe e o menino. Com a chegada dele, a relação com a minha mãe, antes cheia de conflitos, se amenizou. Nos unimos com o objetivo de reclamar. Minha mãe, das incessantes roupas sujas. Ela achava que ele colocava as roupas para lavar com uma frequência desnecessária. Eu, da louça que ele não ajudava a limpar. Ao contrário da minha mãe, eu reclamava diretamente com ele sobre isso. Também me preocupava que ele visse nossas brigas. Sustentamos assim uma trégua, de forma quase falsa, durante aqueles seis meses.

Nunca soube por que o menino se mudou. Quando ele foi morar com os tios, senti como se tivéssemos falhado. Eu não era muito legal com o menino. Havia um silêncio entre nós que nunca conseguimos superar. Havia, principalmente, um estranhamento, como se fôssemos bichos selvagens que não acabaram de se farejar. Muitos anos depois, o menino contou que se apaixonou por mim quando morávamos juntos. Fiquei feliz ao saber que talvez alguém tenha ido embora por mim. Eu não sabia disso na época, mas a partida do menino me lembrou a partida do meu pai. Não tenho memória do divórcio. Meu pai me contou que se sentou ao lado da minha cama quando disse que nada daquilo tinha a ver comigo e eu chorei muito. Eu queria que tivesse a ver comigo – talvez assim ele não fosse embora.

A verdade é que meu pai não me abandonou. Ele fez de tudo para que nossa relação não fosse afetada pelo divórcio. Não tinha como: a relação mudou. Talvez não tanto quanto a relação com a minha mãe. Por alguma razão, fazia mais sentido na cabeça de todos que eu ficasse com a minha mãe. A ela não foi dado o direito de partir, nunca. Como se estivéssemos confinadas uma à outra. Éramos horríveis porque estávamos sozinhas. Sozinhas em um sentido maior, mais complexo. E ter o menino em casa se parecia com saber que não era aquilo que nos faltava. Isso complicava as coisas. Para mim e para ela. Não havia culpados. Havia uma força gigantesca nos afastando uma da outra.

Não demorou muito e o menino se apaixonou de novo. Eu não sabia da paixão dele por mim, mas por ela eu soube. Eu sempre fui muito atenta à maneira como os homens se apaixonam. É como se brotasse neles qualquer coisa como uma sanação. Uma loucura em direção às mulheres, que só pode ser uma espécie de cura. Eu sempre fui muito ciumenta. Disse a eles quando estávamos deitados na varanda da casa dela: sabem quando nos identificamos tanto com uma relação que conseguimos nos imaginar nela? Era a primeira vez que aquilo acontecia comigo.

Uma noite, numa festa em Macacos, eu estava sentada na mesma poltrona de gorgorão que o menino. Eu contava para ele de outro menino quando, de repente, nos beijamos, saímos da sala e fomos para o quarto ao lado. Estava um breu, mas nenhum de nós tinha coragem de acender a luz. Os convidados tinham despejado as mochilas na cama, então as empurramos para o lado para que pudéssemos deitar. Eu já tinha transado antes, mas não com um pau, do qual eu tinha medo. Eu não sabia muito bem o que fazer e só fiquei deitada ali enquanto ele tentava encaixar aquela coisa dentro de mim de várias formas, se frustrando a cada tentativa. Eu não tinha camisinha. O menino tinha uma, que rapidamente estourou com nossa inexperiência. Ele perguntou se eu tomava pílula e eu ri, porque isso ainda não era uma preocupação e eu queria parecer descolada. Resolvemos continuar tentando. Quando ele gozou, tirou o pau para fora e se deitou ao meu lado em silêncio. Eu puxei seu braço sobre mim, forçando uma conchinha que nunca teria existido de outra forma. No escuro, éramos bichos selvagens outra vez.

Quando voltamos para a festa, que se concentrava em uma clareira perto da casa, nos sentamos lado a lado em um banco improvisado. Eu tentava puxar algum assunto que aliviasse a tensão entre nós, mas ele estava distante e frio, como se estivesse envergonhado do que fez e não quisesse mais olhar para mim. No outro dia ele me mandou uma mensagem: você se sente confortável em tomar a pílula do dia seguinte? Não, eu não me sentia. Sobretudo, não queria fazer aquilo sozinha, então contei para uma amiga. Graças a ela, não me senti tão sozinha naquele dia. Ela comprou a pílula e foi até a minha casa. Eu não tive que pedir nada. Há coisas que nós, pessoas socializadas como mulheres, simplesmente sabemos fazer.

Foi então que comecei a me preocupar com a possibilidade de engravidar. Esses dias, disse para o meu pai que, se minha hipocondria tem uma origem, ela deve estar no meu medo de engravidar. Ele respondeu que ficar grávida não é uma doença. Eu respondi que sim, não é, mas que para mim é quase, porque se pegamos temos que fazer um procedimento ilegal que pode colocar em risco nossas vidas. Se o aborto fosse legalizado, talvez não me sentisse tão compelida a fazer uma laqueadura. Minha mãe já abortou duas vezes, por volta da minha idade. Ela não se lembra de quase nada, preferiu ou precisou esquecer. Só se lembra de que foi ruim.

Penso nisso enquanto a doutora, um pouco derrotada, me explica os riscos da cirurgia. Não digo nada disso no consultório, evito ao máximo me justificar. Aceno com a cabeça enquanto ela me explica os exames que devo fazer, os documentos que devo assinar e as pessoas para as quais devo ligar. Me pergunto se vou encontrar a mulher grávida e sua mãe na saída ou se elas já terão ido embora. A consulta delas não deve ter demorado tanto. Guardo os papéis e saio dali. Desejo ligar para minha mãe e dizer a ela que conseguimos, que estou emocionada por nós. Tenho certeza de que, um dia, ela me entenderá.