Ele estava certo. Do que eu estava falando? Nossa antiga devoção tomou conta do meu coração de repente, uma queimação dolorosa. Por que eu estava arriscando meu companheiro de longa data, meu lar, por uma energia inominável?
O pânico deu um salto na minha garganta.
Imediatamente entendi seu ponto de vista, oitenta por cento dele, no total. Perdão, perdão, me perdoa, respondi, eu te amo, por favor, me perdoa, como se tentasse enrolar de volta um rolo inteiro de papel higiênico. Mas não tinha como voltar atrás; a merda estava feita.
Ele fechou o computador, foi para o quarto dele e fechou a porta.
Deitei na cama tremendo de frio e não me cobri porque não tinha forças para puxar as cobertas. Consegui ouvir Harris sussurrando no telefone; estava contando o que aconteceu para alguém. Imaginei que me levantava daqui agora mesmo, saía pela porta da frente e encontrava todas as mulheres da vizinhança que também estavam deixando seus lares. Todas nós corríamos para o mesmo campo, um lugar que não tinha sido previamente combinado entre nós, mas que parecia um ponto de encontro implícito para quando o momento crítico chegasse. Corríamos feito cavalos, mas não éramos cavalos, então depois dos abraços de boas-vindas não havia mais nada a ser feito na grama. Todas começavam a olhar seus celulares à espera de uma ligação de seus parceiros, mas nenhum deles havia se manifestado ainda. Cedo demais. Estávamos fora de casa há pouco tempo. Então, em breve, já seria um milhão de mulheres à espera de uma ligação de seus parceiros, que precisavam delas, mas que logo entrariam em pânico e sentiriam culpa, se sentiriam dilaceradas, nosso modus operandi. Começar a revolução aqui, agora, nesse gramado? Ou voltar para casa, voltar para o curral, usar a escova elétrica, se sentir sombria e aprisionada? É claro que ninguém tomou uma decisão porque já estávamos todas em casa, não num campo. Não havia um ponto coletivo de inflexão. A maioria de nós nunca faria nada muito diferente. Nossos anseios e raivas silenciosas seriam sufocados e passados para nossos filhos, eles nos odiariam muito por isso e na vez deles tentariam fazer as coisas de outro modo. As grandes mudanças sempre aconteceram assim, não ao longo de uma vida, mas em intervalos de gerações. Caso você quisesse de fato fazer alguma mudança, bastava crer em si mesma e no seu bebê; tinha que se permitir renascer inteiramente dentro de uma outra vida. É claro que à espreita estava o perigo de arriscar tudo, de acabar com tudo, por nada. Como eu tinha acabado de fazer.