Todos os dias, a geneticista ia ao berçário para colher amostras de sangue da menina. Além dela e do neurologista, vieram representantes da Secretaria de Saúde, para ver se o caso de Inés poderia ser incluído nos causados pelo zika. A dra. Mireles recomendou que eles acessassem todos os estudos. Isso os ajudaria a ter mais clareza sobre a condição da filha. Na quinta-feira, todos os especialistas se reuniram com eles numa sala do hospital ao lado do berçário. Havia café quente, cartões e lápis para a reunião. Aurelio e Alina sentaram-se numa das pontas da mesa. Inés também estava lá, nos braços da mãe, esperando como todos por seu diagnóstico. Por fim, a dra. Victoria Mireles tomou a palavra:
— Até o momento fizemos dois encefalogramas na Inés, além de testes para determinar seu potencial visual e auditivo. Embora seja quase certo que ela não veja e que tampouco possa ouvir algum som, a parte inferior do seu cérebro desenvolveu-se por inteiro, e é isso que garante a vitalidade e as funções primárias de um ser humano. Além disso, seu coração, pulmões, intestino e outros órgãos funcionam perfeitamente. O maior risco no momento são as convulsões, típicas do seu estado. É por isso que é tão importante que continue a tomar o medicamento. Levitracetam, certo? — O neurologista assentiu de sua cadeira. — Desde que trabalho com isso — continuou a pediatra —, recebi uma infinidade de crianças: há aquelas que vêm ao mundo sem nenhum padecimento e por algum motivo, incompreensível para nós, morrem de repente, morreriam se não impedíssemos, enquanto outras que nascem com graves problemas de saúde ou de constituição se aferram à vida com todas as suas forças. Esse parece ser o caso da Inés.
Alina olhava atentamente para uma mancha de tinta na parede oposta, cujo formato mudava dependendo do tanto, muito ou pouco, que ela abria os olhos. Para Alina, a mensagem da reunião era muito clara: Inés ia viver, e nem ela nem os médicos podiam impedi-la. A imagem que lhe veio à cabeça naquele momento foi a de uma adolescente imóvel, de quem Alina teria de trocar os absorventes todo mês, sempre que ela menstruasse.
— Quanto tempo ela vai viver? — perguntou.
— Não sabemos. Duas semanas, talvez, ou quem sabe alguns meses, com sorte alguns anos. A única coisa certa é que não morrerá nas próximas horas. Vocês podem ir para casa com ela esta tarde e retomar sua vida. — Um sorriso irônico deve ter se insinuado na boca da minha amiga quando ela ouviu essas palavras. Nenhuma mulher que volta para casa depois de dar à luz o primeiro filho retoma sua vida anterior, muito menos nessas circunstâncias. A maternidade muda a existência para sempre. Era óbvio que esse jovem neurologista nunca havia sido mãe, ele não tinha ideia do que estava dizendo.
— Você já lhe deu o peito? — perguntou a pediatra de repente, em plena reunião.
Alina negou com a cabeça.
— Vamos ver — disse ela, enquanto abria a bata de Alina na frente dos outros médicos, trazendo energicamente o corpo da menina para mais perto de seu seio esquerdo.
— Você deve ajeitá-la assim. Com uma mão você a aperta e com a outra empurra a cabecinha dela em sua direção. Está vendo? Não é tão difícil.
lnés abriu os lábios e engoliu o mamilo como se estivesse acostumada a fazer aquilo. Assim que sentiu a sucção, tudo ao redor de Alina começou a girar. Queria se levantar e sair correndo, mas não tinha forças nem para protestar ou para tirar a bebê de cima dela. O chão daquele lugar era uma boca imensa prestes a engoli-la.
Aurelio conseguiu convencer os médicos a deixá-los no hospital por pelo menos mais um dia. Havia muitas coisas a preparar antes de aterrissar em casa com Inés a reboque. Alina ligou para a irmã e pediu que ela montasse o berço ao lado da cama. Também devia abrir as caixas de papelão e as maletas onde havia guardado as roupinhas, lavá-las mais uma vez e guardá-las no armário. Também pediu à irmã que fosse à farmácia comprar fraldas para recém-nascidos, fórmula infantil de fase I e mamadeiras.
À noite, ligou para o celular da médica, o mesmo que ela lhe dera para chamar a qualquer momento se tivesse alguma dúvida durante a gravidez, mas ninguém atendeu. Lá fora, as luzes da torre dos consultórios começaram a se apagar. Tudo na janela estava ficando preto. Tentou novamente algumas vezes até que atenderam.
— Boa noite, Alina. Aconteceu alguma coisa?
Ao ouvir a voz de Mireles, Alina começou a chorar. Quando as lágrimas finalmente permitiram que ela articulasse algumas palavras, disse:
— Não estou pronta para isso. Inés ia morrer, pelo menos foi o que todos me disseram. Você mesma me aconselhou a procurar um tanatólogo para me preparar, e foi o que fizemos. Desmontamos seu quarto e compramos um caixão. — Os soluços a impediam de se expressar com clareza, e ela estava com medo de que a médica não a estivesse entendendo, então decidiu ir direto ao ponto: — O que quero dizer é que não posso passar o resto da minha vida cuidando de uma criança assim, nem saberia como fazer isso.
— Estão me chamando em outra ligação — disse Mireles. — Vamos conversar sobre isso pessoalmente. Amanhã, antes de terem alta, vou passar para te ver no hospital.
Alina não conseguiu dormir naquela noite. O corte da cesariana a incomodava mais do que nos outros dias e a tensão tomava conta de seu corpo. Os médicos a traíram. Ela sentia raiva deles, de si mesma e também de Inés. Pensava naquele rostinho que tanto insistira em ver antes de morrer e do qual agora gostaria de se livrar a qualquer custo. Enquanto rolava na cama, tentou se lembrar do nome de uma instituição que muitos anos antes ajudara uma de suas amigas com problemas de fertilidade a adotar um bebê, e pensou em levá-la lá para que tomassem conta dela, mas quem iria querer cuidar de um bebê com uma condição semelhante? Além disso, como sua filha seria tratada num lugar assim? Com certeza mal e sem o menor respeito, sem falar no afeto ou no calor de um lar. Se antes tinha dito a ela que gostaria de conhecê-la, agora lhe pedia mentalmente – como se ela ainda estivesse em seu ventre, e não numa incubadora a dois andares de distância – para ir embora: “Vá embora, Inés. Você não tem nada para fazer aqui. Vá logo! Se você ficar, nem você nem eu teremos uma vida”.
Quando sentiu que não aguentava mais, pegou o telefone para pedir um sonífero. Foi trazido a ela, e depois de esperar mais de uma hora para que fizesse efeito, ela adormeceu.