Primeiro vem em forma de histórias infantis. Uma mais importante que a outra. São muitas. Sempre que tem oportunidade, minha mãe me presenteia com um livro de histórias infantis. Conheço todos os clássicos. Ela deita ao meu lado e lê. Com as longas unhas pintadas de vermelho, o esmalte descascando de tanto lavar roupa, de tanto lavar pratos, de tanto limpar a casa e cozinhar, ela me aponta o que vai lendo. Então a leitura entra na minha cabeça sem avisar, sem dizer nada. É impossível dissociar a aprendizagem da leitura dessa unha de esmalte descascado que vai percorrendo palavra por palavra. E por que uma letra é diferente da outra? E por que essa letra “a” é diferente daquela letra “a”? Ela explica tudo. Quando não tem dinheiro para livros, ela inventa a história do gatinho branco que desobedeceu a mãe e as lixeiras o confundiram com um saco de lixo branco. Sua mãe tem de resgatar o filhote do depósito de lixo. O gato se chama Moñito.
Um dia minha mãe aposta mais alto e me dá uma Bíblia para crianças. Um livro imenso e pesado com letras enormes e desenhos maravilhosos. Usa o mesmo método para ler para mim. Ela deita ao meu lado e com o dedo vai apontando cada palavra que lê. Assim, em pouco tempo terminamos o livro. Admiro Jesus pela temperança e pela bondade. Tenho cinco anos. Moramos em Los Sauces e tudo parece distante. Todos se esqueceram de nós, até meu pai.
Tão longe estamos, minha mãe e eu, que nos acostumamos a ser duas camponesas. Ela se diverte lendo histórias em quadrinhos e romances de amor que a vizinha lhe empresta. Como não temos eletricidade, lemos à luz de velas. Podemos passar horas lendo, uma ao lado da outra.
Um dia acontece. É um dia milagroso para nós duas. Ela está lavando roupas na parte de fora do cortiço de pedra e adobe no qual sobrevivemos. Estou nos fundos, entretida com a Bíblia para crianças que minha mãe leu várias vezes para mim, e de repente abro a boca e as palavras começam a jorrar. Faço isso em voz alta, como todas as crianças que aprendem a ler, e muito desajeitada, como os primeiros passos. Leio sem saber. Simplesmente sigo meu corpo. Minha mãe vira, surpresa, como se tivesse visto um fantasma. De longe, ao lado das bacias, ainda com as luvas de borracha, ela me pergunta o que estou fazendo. Olho para ela, incapaz de responder. Você está lendo?, ela pergunta. Mas não posso afirmar ou negar. Não sei o que estou fazendo. Você está lendo, filho?, ela me pergunta de novo e vem até mim, espia sobre meu ombro e me pede para continuar o que estou fazendo. Você está lendo!, grita. Ela me beija, me levanta, se emociona. Você está lendo!, grita de novo.
Talvez seja um dos dias mais felizes e inesperados da nossa vida. Contra toda a solidão e a tristeza de viver nesse lugarejo, onde o único entretenimento é sentar e ver os carros passarem pela rua, nesse povoado onde tivemos de ancorar sozinhas, nesse lugar onde tudo chega atrasado, onde não temos luz elétrica, nem gás, nem esperança de nada, ali aconteceu que, sem querer, sem suspeitar, minha mãe me ensinou a ler. E eu aprendi. Então ela fica muito feliz e me diz: Agora você vai poder ler sozinho, não vai precisar mais que eu leia para você. Sinto isso como uma grande perda, mas ela logo se apressa em me dar todos os seus quadrinhos para que eu leia: Patoruzito, Capicúa, Popeye, todos os seus quadrinhos para eu continuar praticando.
Nessa época minha mãe é uma mulher muito jovem, e é a mulher mais bonita que conheço.
A leitura acaba por nos separar. Eu me tranco no quarto para ler tranquila, e meu único mundo conhecido, o da minha família, o do meus pais, o mundo desse lugarejo inóspito deixa de me interessar completamente. Não presto mais atenção na violência e na paixão dos meus pais. Ali, lendo na minha cama, o mundo é gentil. Encontro um refúgio, que é o que eu mais procuro nessa idade. Um refúgio. E, acima de tudo, descubro que existe um poder no exercício da leitura. O poder do prazer na solidão. Não estou interessada em mais nada. Logo depois, como consequência inevitável, vem a prática da escrita.
Se a leitura me exime da vida familiar na medida em que sou perdoada por tudo, por ser tão aplicada aos livros, escrever faz com que eu me encontre comigo mesma. Na escola começam as produções de texto e me dizem que eu tenho talento. Enviam bilhetes aos meus pais elogiando minhas composições. Não estou ciente, naquele momento, de que sou eu quem escreve. Entendo isso muito mais tarde, mas o momento de incandescência está lá, na escrita.
Uma tarde, em Los Sauces, cheia de tédio, saio com minha mãe para roubar laranjas.
Estávamos andando no meio da estrada que unia uma cidade a outra. Íamos com uma vizinha que chamávamos de Mimí. Os únicos vizinhos com quem interagíamos eram Mimí e seus pais: seu Lalo e d. Carmen. Eu gostava dessa família: às vezes eu ia à casa deles e me deixavam ver TV até minha mãe ir me buscar, no finzinho da tarde.
Contudo, nesse dia em que fomos roubar laranjas, fiquei destroçada para sempre. A proteção que me mantinha a uma distância segura do conhecimento do perigo se rompeu e me deixou exposta, visível aos olhos da dor, que desde então tem sido uma amiga íntima.
Estávamos andando no meio da estrada e eu fiquei para trás. Minha mãe e a amiga queriam falar algo que eu não podia ouvir. Eu me distanciei delas, distraída com bobagens. E então levantei a vista e as vi andar na minha frente ao longo de uma estrada deserta, prontas para pular o arame farpado e entrar num campo para roubar laranjas. E o céu estava cinza daquela cor de Semana Santa, daquela cor de domingo de Páscoa, quando tudo fica triste e inexplicavelmente melancólico. Fiquei parada por um segundo e pude identificar que o que se agitava dentro de mim, de um lado para outro, era tristeza. Dei um nome a esse sentimento: estou triste, disse a mim mesma. Mas não era uma tristeza qualquer: era compreender por que minha mãe estava assim, triste, nesse lugar. Foi um momento de compaixão de um menino de seis anos com pena da mãe. Compaixão por esse desejo de escapar de qualquer forma do tédio e da separação do marido, que mais uma vez tinha ido embora. Pelo desejo de cometer uma travessura como roubar laranjas, de cometer um erro. De arruinar tudo.
Essa foi minha grande descoberta. Uma tristeza capaz de ser reconhecida, proferida, localizada dentro de mim, localizada desde esse dia e para sempre em lugares possíveis de ser encontrada.
Acho que não tinha gostado da ideia de roubar laranjas nem de ver minha mãe encaixada nessas paisagens que não a mereciam.
Eu digo: primeiro a escrita, depois a tristeza. E é uma vitória sobre esse desígnio da minha família que nunca aceitou sua pobreza: primeiro eu soube escrever e depois aprendi a ficar triste.
O fato de minha mãe ter sido a primeira pessoa no mundo que me ouviu ler nos une num pacto de ternura. A imagem da ternura. A lembrança do espanto dela diante do meu aprendizado.
Portanto, meu pai me ensinou a escrever, e minha mãe a ler. Eles me levaram para a borda de uma floresta e me deixaram ali sozinha, esperando que eu entrasse e me perdesse para sempre.
Depois de um tempo nos mudamos para Cruz del Eje e minha mãe comprou quatro romances para que eu me distraísse, pois não tínhamos televisão. Caninos brancos e Jerry na ilha, de Jack London; O livro da selva, de Rudyard Kipling; e Under the Lilacs [Sob os lilases], de Louise May Alcott. Quando me canso de ler, ela continua em voz alta para mim.
Escrevo diretamente inspirada pelo que leio. Imito as paisagens, os tons, invento crianças selvagens criadas por animais, escrevo poemas de amor às minhas professoras, aos meus pais, e assim, como se não fosse nada, salvo minha vida. Salvo minha tristeza. Invento um mundo só para mim.
É como se, com a chegada da leitura e da escrita, também tivesse chegado o talento para mentir, inventar, exagerar e esconder. Descubro que tenho um poder. O poder de mentir e ser crível. Minha primeira grande mentira é que sou milionária. Digo isso a todos os meus coleguinhas na escola. Escondo deles a pobreza em que vivemos e eles acreditam em mim. Uma colega, sabe-se lá por quê, entra na onda e confirma todas as minhas mentiras.
Um dia, passo mal na escola e minha mãe tem de vir me buscar. Quando ela entra na sala de aula, meus colegas perguntam se as mansões, as limusines, as empregadas e os mordomos, os tigres nas gaiolas, os macacos nos galhos são verdadeiros, e minha mãe ri e diz que não. Que outra coisa poderia ter dito? Só lembro que não mentiu por mim, apesar das mentiras que ela me forçava a contar. Eu já estava acostumada a mentir por ela e pelo meu pai. Acostumada a esconder certos detalhes da vida de um e do outro, a pedido deles. Não diga isso a sua mãe, não conte ao seu pai. Tenho de aprender a esconder ou mentir sobre suas infidelidades e seus erros. Com tantos segredos, era evidente que eu só poderia acabar escrevendo.
Nessa época, também descubro que gosto muito de um vizinho que chamavam de Pequeno. Um ladrãozinho de brinquedos loiro que me deixava louca de amor. Aparentemente, ele também era apaixonado por mim. Aproveitávamos cada brincadeira para nos apalpar e nos despir e nos perder nas montanhas, dizendo um ao outro palavras de amor, brincando de papai e mamãe, fantasiando sobre ter filhos. Isso não o impede de roubar meus brinquedos. Minha mãe suspeita de algo e me proíbe de brincar com ele. Então lhe escrevo cartas como se tivesse nascido para isto, para escrever cartas de amor, para escrever melodramas.