Nos mudamos. A casinha amarela presenciou como cinco quilos de bebê expulsaram a primeira família e agora engole as nossas coisas com avidez. Cabe tudo nela, os quatro móveis do apartamento, todas as roupas da Samsa, os meus utensílios de cozinha e as incríveis quinquilharias da Tinna. Está com dois meses. Dois meses é muito pouco para esse acúmulo de riqueza. O Ragnar me ajuda a fazer a mudança. Eu e ele carregamos tudo na van dele. Não sei por quê, as coisas da Tinna me envergonham. Todo tipo de apoios e assentos com gradis, alças, cintos e rodinhas. Bolsas totalmente abarrotadas de roupinhas. Caixas e caixinhas de papelão com uma janelinha de plástico por onde se podem ver aparelhos de cores claras, alguns deles elétricos, a maioria ergonômicos, todos prescindíveis. Brinquedos pensados para modelar o cérebro, bonecos de algodão ecológico, madeirinhas que algum pedagogo inventou. Toco tudo. Suas coisas passam pelas minhas mãos como malas por uma esteira transportadora. Pego-as, desloco-as, me desfaço delas. Não têm nada a ver comigo. A Samsa fora foi para a piscina com a Tinna. Se matricularam em um curso de natação para bebês. Quando me contou, não achei que fosse a sério. Mas não. Parece que os bebês sabem mergulhar, aprendem dentro do ventre da mãe e depois esquecem quando a vida os força a chorar e logo depois a respirar. A Samsa quer que a Tinna não esqueça, como se não tivesse feito o suficiente ao lhe obsequiar vida e agora precisasse arrumá-la. É isso o que fazem as mães? Dispor redes invisíveis, velar pela segurança? Sou eu quem precisou aprender a respirar. Soube disso desde o primeiro minuto. Assim que inseminaram a Samsa, ela mudou. A sensação que eu tinha era de estranheza, uma estranheza nômade, nervosa. Vinha dela, a possuía ao mesmo tempo que a excedia, tornava-a radioativa, como se a tivessem inoculado nela, junto com aqueles cristais móveis de vida, aquela sopa desesperada recém-ativada. E o parto não mudou nada, nem a redimiu, nem a trouxe de volta. Nenhum passo para trás: a maternidade é a tatuagem que te fixa e que numera a vida em seu braço, a mancha que inibe sua liberdade.
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[N. 231]
Boulder [fragmento]
Eva Baltasar