A dor de garganta vai de mal a pior! Nem tenho forças para combater a tristeza. Estar doente quando chove e faz frio não é bom para o moral. Meu marido é o motor, mas eu sou o “combustível”, e quando não há mais combustível em casa, a engrenagem enferruja: onde moro, são cinco pares de pés para calçar, dez braços gelados para abraçar o meu pescoço, cinco cabeças que continuam a repousar no meu peito, embora eu force a barra para achá-los grandes demais e sabichões demais para isso. Meu colo é reconfortante quando, na saída da escola, meus filhos são chamados de chineses, de crioulos, de pieds-noirs ou de ciganos, dependendo do humor do menino com quem estão brigando. É a idade em que não há piedade, em que as crianças são cruéis. Devo persuadir os meus de que os chineses são gente boa, de que não é ruim ser pied-noir e que os crioulos, se não servissem para nada, o Bom Deus não teria dado uma alma aos seus corpos. Aproveito para dizer isso quando estão no meio do bando todo, que milagrosamente sossega e se manifesta, cada um tentando falar mais alto do que o outro: “Não sou eu! Não sou eu!”. Quando estou doente, meus filhos ficam perdidos no meio desses jovens selvagens, tenho que me recuperar às pressas. Mas minha doença me permite escutar atentamente o rádio, e nesta noite ouvi uma mulher falando. Seu nome é Anna, ela acaba de receber um grande prêmio literário. Sentindo-me culpada, deixei cair os meus rabiscos. Ela está radiante, todo mundo sente, estão impactados, coisa rara, deixam ela falar! Sua voz é um pranto cheio de vida, e dá vontade de dizer: “Fique tranquila, o mundo todo a está escutando e deseja amá-la de agora em diante”. Minha pobre Carolina, não comprarei o livro dela, com certeza deve ser muito caro para o meu bolso, mas não tenho dúvida de que a escrita da Anna vale tanto quanto a sua voz. Ela está falando sobre os dias irreais da segunda guerra suja, e vejo mártires vestindo roupas púrpura, correndo para o purgatório sem passaporte e chegando ao céu com vestes agora brancas como a neve.
Ao lado de todos que continuam a morrer desse jeito, aqueles dos nossos barracos e das nossas favelas que agonizam, mesmo sobre catres, são abençoados.
Ouvi então a voz do orador que falava dos padres mantendo conciliábulos, quis suplicar para que acrescentassem algumas linhas à litania dos santos: Dos campos da morte, livrai-nos, Senhor. Do racismo, de onde quer que venha, livrai-nos, Senhor.
Não é que tenha medo, mas, quando os holocaustos como o da Anna começam a falar, ficamos pensativos.