[N.210 | 2025]

corpo dourado em dendê

Steffane Santos

um corpo que existe em si enquanto refúgio. enquanto carne que pulsa, que se movimenta, que fala e que ao falar soa ríspido e raivoso. enquanto gente, não me resigno, enquanto corpo, não me calo. o silêncio jamais nos protegeria de nada, assim diz Audre. bandagira, Audre Lorde e sua luz aquariana que me ascende e acende.

um corpo insubmisso que reluz, que desaba em corpo cósmico feito de vulcão e cor ferrugem. dissolve suas intimidades em finitude. se encontra consigo diante de um espelho. um corpo que se olha, que se vê, se reinventa, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo. um corpo que se arranja e fala de si em primeira pessoa. como tem de ser.

um corpo que volta para dentro de si. que não se separa, que não se repulsa. mas que se atrai, se condensa. um corpo que fala, grita e esperneia em silêncio com um olhar que diz um tanto, com seus olhos grandes. um corpo que não pode não ser visto porque brilha. em corpo reluzente. que se veste e reveste de calor e luz, no movimento de seus panos, às vezes tão curtos outras não muito longos.

me vejo dançar com meu corpo, que, grande, balança. descompassa, se mexe, não perde o tom do ritmo que se adensa, aperta o pé pelo passo, desfruta da sede mansa do dizer deste corpo mulher e negro. nunca mulher ou negro. sempre mulher e negro. numa dança dúbia, circular e cheia de pausas que me leva e me traz de estar indissociada de mim.

um corpo que inventa suas rotas de fuga, sua vista clara, seu desejo ácido, que descobre a si mesmo como salvação, enquanto nega as mãos brancas que se aproximam. que resgata a si próprio, que quando sem saída entende-se como um corpo que gira, que roda e que circula. um corpo gerúndio que está girando, rodando, circulando.

em massa circular, absorve o que sobra e se refaz em mel e dendê no que aquece, adoça e apimenta. em cores que se misturam em vermelho, branco e dourado. assume o alaranjado que escorre às bordas do existir.
refinco os dias. reconto as histórias nas marcas que carrego neste meu corpo que se rebela contra tudo que anseia a revolta. um corpo que tudo pode, mesmo sabendo que comigo ninguém pode. nada. jamais poderiam.