Bom dia,
Não sei onde você está. É hoje o evento para o qual você me convidou com tanto carinho. Sei que está animada, nervosa, e deve ser por isso que não está me enviando mensagens. Só me manda, pelo menos, o endereço. Você sabe que eu sempre chego. Já me disse qual roupa devo usar e eu já prendi o meu cabelo, do jeito que me pediu quando fez o convite pela primeira vez.
Enquanto espero sua resposta, estou fazendo o exercício de aprender novas palavras no dicionário. Sempre fui elogiada por saber usá-las, mas, concordo com você, estou precisando de mais requinte, de uma atualização. Li sobre canapés, caviares, champanhes e, antes que me desse fome ou sede de coisas que eu nem conhecia, parei na primeira palavra que me soou familiar: “contraste”.
O dicionário fala de coisas opostas, mas da mesma natureza. E, como tenho direcionado tudo, exatamente tudo o que aprendo, para o nosso relacionamento, é claro que me lembrei de você. Achei de uma beleza, de um alívio, existir uma palavra que explicasse a gente. Lembrei de quando estamos só nós duas, do seu elogio repetitivo sobre como “nossa pele fica tão linda ao lado uma da outra, esse contraste tão bonito”. Isso, às vezes, até abre um espaço para sonhar: imagina se pudéssemos gerar filhos?
“Mas não podemos, por tantos motivos que não há palavras”, você conclui. Inclusive, acho que o meu dicionário, o que estou folheando, tem muito mais palavras do que o que você usa porque eu conseguiria, se quisesse, explicar tudo. Ou será que o nosso contraste não nos deixa falar a mesma língua? Acontece que, quando se vive algo assim, como a gente, é preciso aprender muitas novas palavras, e elas não podem ser só sobre contraste ou alívio.
Existe uma sobreposição de coisas acontecendo aqui, algum mal-entendido para além do vocabulário, do léxico, do sotaque. Acho que é o tom. Esse último, inclusive, ajustado para quando o endereço e o horário chegarem e eu for ao evento. Um tom mais escuro, mais fechado, mais comedido. O que para mim significa um esforço, para você é um polimento imprescindível.
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Agora que vi o horário, imagino que o evento tenha começado sem mim. Não tenho problema com isso, estou aliviada por quase ter ido. Pelo menos, gastei palavras.