[N.222 | 2025]

 Letras 

Izabel Haddad

para Stella, minha filha, de quando te ensinei a ler e escrever em casa durante a pandemia.

desejo escrever
me falta coragem de encarar o ritual do desencontro
um mar de recuos
receio e deixo o lápis mudo
o papel impuro
tenho medo de que veja nas frestas de ínfimos abismos
o que do outro não se deve ver
que me leia nas letras improváveis daquele gesto cursivo
ainda borrado
o desenho de palavras antigas, infantis
quando franzia os olhos e apertava os lábios pra parir letras primitivas
suava as mãos
pelo lápis escorriam rios dos dedos
pressentia com espanto e amor o corpo-texto no vazio das mãos
lembro de antes, um escuro calmo
tempo passado
quando estive contigo pela primeira vez
estava nua
não me faltava nada.