“Nos anos terríveis da Iejovshtchina, passei dezessete meses fazendo fila diante das prisões de Leningrado. Um dia alguém me “reconheceu”. Aí, uma mulher de lábios lívidos que, naturalmente, jamais ouvira falar em meu nome, saiu daquele torpor em que sempre ficávamos e, falando pertinho do meu ouvido (ali todas nós só falávamos sussurrando), me perguntou:
– E isso, a senhora pode descrever?
E eu respondi:
– Posso.
Aí, uma coisa parecida com um sorriso, surgiu naquilo que, um dia, tinha sido o seu rosto.”
Leningrado 1o/4/1957
Nota das editoras:
Sobre este poema, Valeria List escreveu: “Anna Akhmátova, na fila da prisão de Kresty para ver seu filho, é uma mulher que escreve durante o regime de Stálin, mas que também fala sobre a liberdade, a maternidade, o sofrimento e a perda de um filho em qualquer momento histórico. Réquiem é um livro escrito, de certo modo, em conjunto. Desde o início, e “En lugar de [un] prefacio” [No lugar de [um] prefácio], conta que uma mulher a reconhece e lhe pergunta se pode escrever o que está acontecendo, e ela lhe responde que sim. O que a poeta está dizendo é que não apenas escreve por ela e seu filho, mas também por todas as outras mães e os outros filhos.” Fragmento retirado do texto “Humanos más decentes”, disponível em: https://periodicodepoesia.unam.mx/texto/humanos-mas-decentes/