[N.228 | 2025]

Tese sobre uma domesticação [fragmento]

Camila Sosa Villada

Quando tinha sete anos – seu nome ainda era de menino –, a atriz viu como sua mãe se queimou na boca incandescente do fogão da cozinha em que estava aquecendo a cera depilatória. Ela a viu apoiar a mão distraidamente na boca enquanto pedia à moça que limpava a casa que não sacudisse o Buda de madeira com o espanador, que isso o insultava, que era para usar um pano especial que estava ali do lado. A mãe no mesmo instante retirou a mão, com um grito, transtornada de dor, e a enfiou embaixo de um jato de água fria.

— A senhora está bem?

— Sim, sim, não foi nada.

— Que tonta! — exclamou o menino quando viu a mãe se queimar e gritar daquele jeito. Sua mãe era perfeita. A única que não errava nunca, e agora tinha se queimado.

— Você acha engraçado? — perguntou a mãe.

Com um gesto determinado e rápido, pegou o filho pelo pulso e pôs a mão dele na mesma boca pegando fogo onde ela tinha se queimado antes.

A moça que agora limpava os livros de receitas em cima da geladeira e do micro-ondas não interveio quando a mãe castigou o menino.

— Agora somo dois tontos — disse ela, agarrando-o pelo pulso outra vez e levando sua mão para baixo do jato de água fria. O menino chorava, desconsolado. Foi para o quarto e se trancou. Não dirigiu uma única palavra à mãe durante aquele dia e os que se seguiram. A mãe chegava com suas pomadas e seus placebos para confortá-lo, lhe passava cremes, soprava sua mão.

O menino não dizia uma palavra.

A mãe reconheceu que passou dos limites. O silêncio a fez entender o quanto odiava seu filho. Ela o odiava, apesar de amá-lo intensa e loucamente. Não podia perdoá-lo pela sua existência.

Quando o pai ficou sabendo, recriminou a esposa pela brutalidade.

— Como é que você queima a mão dele assim? Eu devia te denunciar.

— Você faz pior — retrucou a mulher.

— Como é que você queima a mão de uma criança assim?

— Eu nem pensei — disse a mãe.

A queimadura levantou uma bolha, depois secou com uma crosta que protegia o que ninguém mais protegeria, e ele ficou com uma pequena cicatriz, como uma marca de nascença. E foi nisso que a cicatriz finalmente se transformou. Na mácula de ter nascido e saber desde muito cedo do que as mães são capazes.

Os anos se passaram e, quando a mãe completou cinquenta anos, a atriz a recriminou por aquele trauma. Ela riu, negou completamente. Insistiu que toda a história era mentira, que aquilo nunca tinha acontecido.

— Como você pode pensar que sou capaz de fazer algo assim? Sou louca, mas nem tanto. Como é que eu vou te queimar de propósito, filha, como você pode imaginar algo assim?

Não tinha sido intencional, a mãe só queria apertar o pulso dela e, no forcejar, acabou queimando-a.

— Seu pai inventou tudo isso pra virar você contra mim.

— Mentira. Eu sei o que é verdade e o que não é.

— Te juro. Foi o seu pai, porque sempre quis você pra ele. Não suportava que você me amasse mais.

— De onde você tirou que eu amava mais você do que ele?

— Eu também sei o que é verdade e o que não é.

Na infância, o animal materno passava por cima da sua vida, ocupando tudo. Se ela pegasse um resfriado, a mãe fingia uma bronquite. Se ela sentia dor por causa de algum machucado, a mãe tinha enxaquecas apocalípticas. Se estivesse triste, sua mãe tomava três ou quatro pílulas para dormir e fingia seus pequenos suicídios. Quando o pai tentava um movimento para se aproximar da filha, a mãe impunha seus limites e os separava, com um talento para o veneno que teria deixado qualquer sicário sem palavras.

Essa era a única maternidade que a atriz conhecia. Um território de guerra com sua própria mãe. Lutar por algo no mundo que fosse só para ela, algo imaculado, que nunca tivesse sido tocado pela mãe.