De repente, ele apareceu; fico sempre surpresa ao encontrar em seu rosto, harmoniosamente fundidos, os traços tão dissemelhantes de minha mãe e de André. Abraçou-me com muita força, dizendo-me palavras alegres, e me abandonei à ternura do paletó de flanela contra meu rosto… Soltei-me para abraçar Irene; ela me sorria, com um sorriso tão gelado que me espantei de sentir junto a seus lábios uma face doce e quente. Irene. Sempre a esqueço: sempre ela está presente. Loura, com olhos cinza-azulados, a boca mole, o queixo agudo, e na testa muito grande qualquer coisa ao mesmo tempo vaga e obstinada. Logo a apaguei. Estava sozinha com Philippe como nos tempos em que o acordava de manhã, com um carinho na testa.
— Nem mesmo uma gota de uísque? — perguntou André.
— Obrigada. Prefiro um suco.
Como é bem-comportada! Vestida, penteada, com uma elegância bem-composta, o cabelo liso, uma franja escondendo sua testa grande, maquiagem ingênua, costumezinho sério. Acontece-me com frequência, ao folhear uma revista feminina, exclamar: “Olha, é Irene!” Acontece-me também vê-la e mal reconhecê-la. “Ela é bonita”, afirma André. Certos dias estou de acordo: a delicadeza das orelhas e das narinas, a ternura nacarada da pele acentuada pelo azul sombrio dos cílios. Mas se ela mexe um pouco a cabeça, o rosto desliza, só se vê aquela boca e aquele queixo. Irene. Por quê? Por que Philippe sempre gostou desse gênero de mulheres elegantes, distantes, esnobes? Talvez para provar a si mesmo que podia seduzi-las. Não se apegava a elas. Ele pensava que jamais se apegaria e uma tarde ele me disse: “Vou lhe dar uma grande notícia”, com aquele ar muito excitado de criança que brincou muito, riu muito, gritou muito no feriado. Houve aquela pancada de gongo em meu peito, o sangue subiu em minhas faces, todos os meus nervos ficaram tensos para reprimir o tremor de meus lábios. Uma tarde de inverno, as cortinas cerradas, a luz das lâmpadas sobre o arco-íris das almofadas e aquele abismo de ausência cavado de repente. “Ela lhe agradará; é uma mulher que trabalha.” Trabalha de vez em quando como roteirista. Conheço esse gênero de mulheres “na moda”. Têm uma profissão vaga, pretendem cultivar-se, fazer um pouco de esporte, vestir-se bem, cuidar impecavelmente da casa, educar perfeitamente os filhos, levar uma vida mundana, em resumo: ter sucesso em todos os planos. E na verdade, não se prendem a nada. Elas me revoltam.
Eles partiram para a Sardenha no dia em que a faculdade fechou as portas, no início de junho. Enquanto jantávamos nessa mesa onde, tantas vezes, fiz Philippe comer (vamos, acabe sua sopa; coma mais um pedaço de carne, engula qualquer coisa antes de ir para a aula), nós falamos da viagem – belo presente de casamento, oferecido pelos pais de Irene. São ricos. Ela ficava muito tempo calada, como mulher inteligente que sabe esperar o momento de fazer uma observação feliz ou um pouco surpreendente; de vez em quando, soltava uma frasezinha, espantosa – em minha opinião, pelo menos – pela bobagem ou pela banalidade.
Voltamos para a biblioteca. Philippe lançou um olhar sobre minha mesa.
— Você trabalhou muito?
— Tudo está caminhando. Não teve tempo de ler as provas do meu livro?
— Não, imagina que não. Sinto muito.
— Lerá o livro. Tenho um exemplar para você.
Sua negligência me entristeceu um pouco, mas nada demonstrei. Disse:
— E você vai retomar seriamente a sua tese?
Ele não respondeu e trocou um olhar engraçado com Irene.
— O quê? Vão viajar novamente?
— Não. — De novo o silêncio e ele disse, com certo humor: — Ah! Você vai se zangar, vai me censurar, mas tomei uma decisão esse mês. É muito pesado conciliar um lugar de assistente e uma tese. Ora, sem tese, a universidade não me oferece um futuro interessante. Vou abandoná-la.
— O que é que você está dizendo?
— Vou deixar a universidade. Sou ainda bastante jovem e posso seguir um outro caminho.
— Mas não é possível! No ponto em que chegou, não vai largar, não! — disse, indignada.
— Entenda. Antes, o magistério era um negócio de ouro. Agora, não sou o único a achar impossível de me ocupar com os estudantes e trabalhar para mim: eles são muito numerosos.
— Isso é verdade — disse André. — Trinta alunos é trinta vezes um aluno. Cinquenta, uma multidão. Mas pode-se arranjar uma saída que lhe permita arranjar mais tempo e terminar a sua tese.
— Não — disse Irene em tom decisivo. — O ensino, a pesquisa são realmente muito malpagos. Tenho um primo que é químico. No C.N.R.S. ele ganhava oitocentos francos por mês. Entrou numa fábrica de corantes e agora recebe três mil.
— Não é somente uma questão de dinheiro — disse Philippe.
— Claro. O que conta também é estar por dentro.
Com frasezinhas comedidas, Irene deu a entender o que pensava de nós. E fez isso com muito tato, esse tato que a gente sente de longe. (Não quero, sobretudo magoá-los, seria injusto que tivessem raiva de mim, mas existem coisas que precisam ser ditas, e se eu não me contivesse, diria mais ainda.) É certo que André é um sábio, claro, e eu, como mulher, fui bem-sucedida. Mas nós vivemos fora do mundo, em laboratórios e bibliotecas. A geração de jovens intelectuais quer estar em contato com a sociedade. Philippe, com seu dinamismo, não foi feito para nosso estilo de vida; existem outras carreiras em que mostraria melhor sua capacidade.
— Enfim, a tese é coisa do passado — concluiu ela. Por que às vezes ela diz esses absurdos?
Ela não pode ser estúpida a esse ponto! Todavia é Irene que existe e que conta. Ela anulou a vitória que eu havia obtido com Philippe, contra ele, por ele. Um combate tão longo, tão duro para mim, às vezes. “Não consigo fazer esta dissertação. Estou com dor de cabeça, mande um recado dizendo que estou doente.” “Não.” O terno rosto de adolescente se crispava, envelhecia, os olhos verdes me assassinavam. “Você não é boazinha!” André intervinha: “Só dessa vez…” “Não.” Minha angústia na Holanda, durante aquelas férias da Páscoa, em que deixamos Philippe em Paris. “Não quero que seu diploma fique de lado.” E ele, com ódio: “Não me levem. Pouco me importa! Não escreverei uma linha!” E depois seus sucessos, nosso acordo. Nosso acordo que Irene está a ponto de quebrar. Ela me arrebata Philippe uma segunda vez. Não queria explodir na sua frente. Controlei-me.
— Então, o que pretende fazer?
Irene ia responder, Philippe interrompeu-a:
— O pai de Irene tem diversas coisas em vista.
— Que tipo de coisa? Negócios?
— Ainda está tudo no ar.
— Falou com ele antes da viagem, então. Por que não nos disse nada?
— Queria refletir um pouco mais.
Tive um acesso de raiva. Era inconcebível que ele não me houvesse consultado logo que a ideia de deixar a universidade surgiu em sua cabeça.
— Naturalmente, vocês me censuram — disse Philippe um tanto irritado.
O verde de seus olhos tomava aquela cor tempestuosa que eu conhecia tão bem.
— Não — disse André. — Deve-se fazer o que se tem vontade.
— E você? Você me censura?
— Ganhar dinheiro não me parece um ideal exaltante. Estou espantada.
— Eu disse que não se tratava, apenas, de dinheiro.
— De quê, precisamente? Explique.
— Não posso. Preciso rever meu sogro. Mas só aceitarei sua proposta se a achar interessante.
Discuti ainda um pouco, o mais calmamente possível, tentando convencê-lo do valor de sua tese, lembrando-lhe de antigos projetos de ensaios, de estudos. Respondia polidamente mas minhas palavras escorriam sobre ele. Não, ele não me pertencia mais de modo algum. Mesmo seu aspecto físico tinha mudado: um outro corte de cabelo, as roupas mais modernas no estilo do XVI arrondissement. Fui eu que dei contorno à sua vida. Agora, acompanho-a de fora, como testemunha distante. É o destino das mães! Mas quem é que se consola dizendo que seu destino é o destino de todos?
André foi com eles até o elevador e eu me deixei cair no sofá. Aquele vazio, de novo… O bem-estar daquele dia, aquela plenitude no âmago da ausência vinham da certeza de ter Philippe aqui por algumas horas. Esperei-o como se ele viesse para não mais partir: ele partirá sempre. E nossa ruptura é muito mais definitiva do que eu havia imaginado. Não participarei mais de seu trabalho, não teremos mais os mesmos interesses. Será que o dinheiro conta tanto para ele? Ou ele está somente cedendo a Irene? Ama-a tanto assim? Seria necessário conhecer suas noites. Talvez ela saiba satisfazer ao mesmo tempo seu corpo e seu orgulho: sob sua aparência mundana, julgo-a capaz de arrebatamentos. Tenho tendência a subestimar a importância que a felicidade física oferece a um casal. A sexualidade para mim não existe mais. Chamava de serenidade essa indiferença; de repente, compreendi de outra maneira: é uma doença, é a perda de um sentido; ela me deixa cega às necessidades, às dores, às alegrias daqueles que a possuem. Parece-me que nada mais sei sobre Philippe. Uma só coisa é certa: que falta ele vai me fazer! Talvez fosse graças a ele que eu me resignasse com minha idade. Ele me carregava para sua juventude. Levava-me às Vinte e Quatro Horas de Le Mans, às exposições de op-art, e até uma noite a um happening. Sua presença agitada, inventiva, enchia a casa. Será que me acostumarei a esse silêncio, à ajuizada sequência dos dias que não será mais quebrada por nenhum imprevisto?