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Um fio branco solitário, com um leve brilho. Estiquei-o completamente, soltei e depois estiquei de novo. Não arranquei. Pensei: Estou ficando velha. Estou ficando velha, o mundo mudou e ninguém nunca me conheceu de verdade. Uma torrente de pura melancolia encheu de lágrimas meus olhos. […]
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[…] onde moro, são cinco pares de pés para calçar, dez braços gelados para abraçar o meu pescoço, cinco cabeças que continuam a repousar no meu peito, embora eu force a barra para achá-los grandes demais e sabichões demais para isso. […]
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Quero aprender a fermentar legumes, usar missôs, enfiar a faca num corte certeiro, temperar, não comer cru, nem queimar a boca. Sentir o gosto, a textura e o cheiro das palavras. Dizer das nozes-moscadas que ralei mais do que deveria e que, mesmo tão pequenas, roubaram o sabor do meu prato; das águas que ferveram […]
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Quando pequena, eu sentia o frio na barriga ao pular de um lugar alto, subir na torre onde ficava a caixa d’água no terreno do meu avô. Era divertido explorar o mundo olhando de cima, com aquela sensação agitada de saber que bastava segurar firme e tudo ficaria bem. […]
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Terezinha teve 16 filhos homens, com 16 pais diferentes.
Só parou de parir quando Aline nasceu.
Seu primeiro neto morreu no parto.
Terezinha fugiu com o pequeno defunto numa caixa de sapatos.
Não tinha dinheiro pra pagar os serviços funerários. […] -
Abro-me para os prazeres do mundo,
das auroras e das estrelas. Com eles faço a cama onde me deito.
Caso fiquem ainda os espinhos da vida,
sou minha própria mãe, acaricio meus pés,
lavo o corpo com alfazema, begericum
e folhas de arruda para o afago das Deusas. […] -
o paraíso cuíer podia ser um lugar muito simples:
encostar a cabeça no meio das suas teta, ou
te receber no meio das minhas coxa […] -
um corpo que inventa suas rotas de fuga, sua vista clara, seu desejo ácido, que descobre a si mesmo como salvação, enquanto nega as mãos brancas que se aproximam. que resgata a si próprio, que quando sem saída entende-se como um corpo que gira, que roda e que circula. […]
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1. Que bom é não estar. […]
