[ arquivo ]
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.: Um tronco para chamar de meu
Sempre gostei das idas à fazenda. Tinha um ar de aventura e liberdade. Íamos umas 12 crianças na caçamba da caminhonete. Lembro de ansiar esses momentos. As férias. Todos os anos, viajávamos para a cidade materna de minha mãe. Onde moro atualmente, que ironia.
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.: Elisa precisa
As coisas não precisam de mim
A arte
A academia
As letras
A casa
As lojas
Os homens -
.: Tom Sereno
me, Sereno. Que eu chamo baixinho enquanto deixo a água cair barulhenta sobre a barriga redonda e imensa. Barriga-casa. Corpo-mãe. Teus chutes inesperados enquanto meu sono chega. O estômago esmagado, tentando digerir a janta e os dias – essa contagem regressiva que tantas vezes me apavora.
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.: Procura-se
Procura-se por um par de ouvidos, que seja capaz de escutar no silêncio.
Que entenda que a escuta é mágica para organizar a alma de quem fala.
Que saiba que não é para escapar, que é preciso encarar. -
.: Carta em Matrioshka
Vó,
Como você está?
Por aqui, as coisas vão crescendo, meus planos tomando forma e me sinto mais ativa de novo. Não que antes estivesse parada, o que acontece agora é que estou tendo mais espaço para mim. Minha bebê começou a andar, está mamando menos, consegue ficar mais tempo com outras pessoas -
.: A criança cristal
Minha mãe me contou que as pessoas lhe dizem, quando ela está na rua com a bebê, que a bebê é uma criança cristal. Algumas pessoas pedem permissão para tocar a bebê, porque o contato com crianças cristais cura. “Você deveria pesquisar o que é uma criança cristal”, já me disse várias vezes minha mãe, que tem mestrado em ciências da computação e graduação em matemática. Desde o primeiro momento que viu a bebê, minha mãe achou que ela era uma criatura superior e excepcional; atribuir qualidades de criança cristal a ela faz parte dessa história em curso.
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.: Visível e invisível
Registros sobre a existência de escravizados e escravizadas em São Paulo remontam aos primórdios da colonização. Nos séculos XVI e XVII, e na maior parte do XVIII, a presença de africanos era basicamente inexpressiva, sobretudo devido à prática da policultura voltada para a subsistência, largamente baseada na mão de obra indígena.
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.: Ana de Amsterdam [fragmentos]
21 DE SETEMBRO DE 2007
O ginásio é antigo, de madeiras escuras, tectos altos de estuque trabalhado. Há retratos dos primeiros presidentes da colectividade pendurados nas paredes. Senhores gordos, com bigodes retorcidos e cabelo puxado com brilhantina. Em Cuba, imagino, deve ainda haver muitos ginásios como este, com cheiro de óleo de cedro.