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.: Raiz centrífuga: eu, o quadrado, o cosmos e o pequeno
Estava abertamente tentando florear o começo de nossos dias com novas experiências, sucos, mudança diária do cardápio no café da manhã. Nossa religião de quarentena – porque o tempo, que vem engolindo de maneira dolente, se tornou uma espécie de presente contínuo.
Poucas vezes tive tanta dificuldade de escrever como aqui.
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.: Na ilha, algum farol
Acabo de sair de um encontro virtual com outras mulheres, no qual lhes disse, comovida, que a maternidade me bagunçou completamente. Comecei a escrever este texto sob o impacto dessa conversa e de dentro de um confinamento, devido à pandemia de Covid-19, que já soma 86 dias, a grande maioria deles vivida no meu apartamento, em São Paulo. Terminei ainda dentro desse confinamento, no dia em que Heitor, meu filho, completou 9 meses e 5 dias.
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.: Origem, confinamento
Gosto muito de contar as histórias de minha avó, de como minha mãe herdou os seus cheiros de lavadeira, doceira; de que fazia a própria massa e o molho do macarrão. Gosto de furtar histórias também, como aquela de a vovó amar mulheres e só ficarmos sabendo
no dia em que Joaquim, meu primo indiscreto, contaria tudo sobre eu estar de amores com uma mulher…Tenho um confinamento na minha origem.
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.: Os dias (não) passam sempre iguais
os dias passam sempre iguais
e repetem
e repetem
e repetemo menino reclama ao longo do dia
chora por causa do agoraouço minha vizinha gritar exausta
que não aguenta mais essa menina
nojenta -
.: Começo e violência
Não quis marcar a data do parto do meu segundo filho. Na minha primeira gravidez, cheguei à 42ª semana sem contrações nem nenhum “sinal de parto”, e o médico indicou a cesariana. Os índices de cesariana no Brasil chegam a 95%, o maior índice de todo o mundo. Entrei para essa estatística.
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.: Bloco de notas para a memória de uma mãe em construção
Eu começaria e terminaria da seguinte forma: por causa da maternidade e do isolamento social, não pude escrever este texto.
…
Há um caderno de anotações em todos os lugares da casa. Em cada canto um. Todos vazios. Ou com frases soltas. Palavras que parecem vagar. Alumbramentos, receios, angústias, alegrias e descobertas.
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.: Pontos de Nós
Mãos, gestos, linhas visíveis e invisíveis. Um ponto ligado ao outro. Tenho pensado muito sobre as mãos. Em algum momento da pandemia, uni as pintas do meu braço com uma canetinha rosa, assim como meu filho riscou a parede em um ataque de fúria. Mamãe, você está mais calma agora?
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.: Belo Horizonte, 30 de julho de 2021
Escrever um texto sobre maternidade e pandemia? Sobre Gil e a falta de tempo? Sobre política, persistência, cotidiano? Não sei como desviar desse tema nem do quanto me ocupou a diferença entre homens e mulheres na distribuição dos cuidados da domesticidade.
Esgueiro-me ao redor do tema: nenhuma iluminação nem cheiro de fagulha
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.: Do dentro do nosso quintal
Dou um xêro na barriga e ganho um cafuné. Dengo bom que me distraiu e eu nem vi o passar do tempo, dois anos desde aquele dia em que me rasguei para recebê-la. Naqueles primeiros dias, minha menina se fazia urso em inverno. Hoje, somente uma soneca rápida ao longo do dia.