[ arquivo ]
-
.: Amamentar não é um ato de amor
Na primeira vez em que ouvi minha mãe pronunciar tal frase, estranhei.
Eu havia ido buscá-la após uma entrevista para um programa da Rede Mulher e notei que ela estava aborrecida. Perguntei o que havia acontecido e ela disse:
“Eles fizeram de tudo para que eu afirmasse que amamentar é um ato de amor.
-
.: Carta de uma mãe que não quer mais
Ontem não deu para lhe escrever. A gente pensa que vai ter tempo quando chegar em casa, né? Sabe, quando me pediu para falar sobre a maternidade de filhos especiais, comecei a pensar sobre o assunto. É louco isto, porque penso nisso há quase trinta anos, desde quando nasceu meu primeiro filho, João, com síndrome de Down e um problema cardíaco. Ele faleceu aos oito meses de idade. Engravidei de Ingrid – a que deus curou, como diz uma colega minha de trabalho. Mais saudável impossível. Depois, veio Maria Clara que, a partir do quarto mês, começou apresentar os sintomas de uma síndrome genética neurodegenerativa.
-
.: Não fossem as sílabas do sábado [fragmento]
Meus oito tentáculos obstinados em volta da bebê esperando a hora em que eu não aguentaria mais e sucumbiria polva-gigante-do-pacífico estafada no chão, os tentáculos estatelados e a bebê vulnerável no oceano, meu útero tinha voltado a mensalmente se ocupar da sua sina, prontíssimo para mais um rebento, e eu me retorcia em cólicas, confusa sem os remédios que podiam acabar indo no meu leite que já ameaçava secar, todos disseram, se sangrar acaba o leite, Catarina e eu ainda numa simbiose insuportável, não podia morder uma pera um chocolate um pepino sem imaginar como reverberariam nela, sempre uma continuação do meu esôfago.
-
.: mãe/solo/fértil
eu não sou
virgem, nem santa, nem sou s
agrada, mas tive o ventre
livre feito terra farta pra
feitura do mistério
(ele está no meio de nós
entre os lapsos, des
compassos, dist
ânsia & how
dare you -
.: Menu da separação
Quando a Mãe já não é o prato principal
os filhos viram degustação de 15 em 15 dias. -
.: Ao For, Ria
Quando eu for
Não me mande notícias
de seu choro
Me deixe lá
A culpa já me liga a cada minuto
Inunda cada poro em lágrimas
E leva qualquer marca de prazer -
.: O segundo nome de nenê
as mãos trêmulas de elza seguraram o bebê que acabara de nascer. antes que o corpinho lambuzado de sangue e vérnix encostasse o chão de terra batida, ela aparou a criança e a encaixou no meio dos seios. o choro silencioso da mãe, entrecortado pelo choro recém-nascido da filha, ambos abafados pelos trovões
-
.: uma dois
gosto de brincar com miguel, pegá-lo no colo e fingir que estou ninando um bebê, apesar de o menino mais velho já estar beirando os onze anos. num dia, raul, o menino mais novo, que estava por perto, sorriu desconfiado ao ver a cena e veio correndo tentar se juntar a nós naquele aconchego.
-
.: o pente de iara
iara acordou com muito sono naquela manhã fria de terça-feira. ou seria quarta? a mente ainda embotada pela noite mal dormida não soube precisar o dia da semana. mas também, depois de mais de cem dias nesse enclausuro, todos os dias parecem o mesmo, pensou enquanto olhava o bebê dormindo ao seu lado na cama. ele sempre vinha esquentar os pés quando o dia começava a amanhecer e o frio tomava conta do quarto que dividia com o irmão mais velho