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.: cuíer paradiso
o paraíso cuíer podia ser um lugar muito simples:
encostar a cabeça no meio das suas teta, ou
te receber no meio das minhas coxa -
.: corpo dourado em dendê
um corpo que inventa suas rotas de fuga, sua vista clara, seu desejo ácido, que descobre a si mesmo como salvação, enquanto nega as mãos brancas que se aproximam. que resgata a si próprio, que quando sem saída entende-se como um corpo que gira, que roda e que circula.
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.: É para eu ir?
Sei que está animada, nervosa, e deve ser por isso que não está me enviando mensagens. Só me manda, pelo menos, o endereço. Você sabe que eu sempre chego. Já me disse qual roupa devo usar e eu já prendi o meu cabelo, do jeito que me pediu quando fez o convite pela primeira vez.
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.: Trilogia do amor
o morno
darão de comer às crianças-livres
na escuridão de suas mães
desde a antiguidade. -
.: Mãe ou Filha?
A verdade é que em todos esses anos eu muito escrevo sobre ser mãe e quase nada sobre ser filha. Talvez porque ainda não tenha encontrado caminhos confortáveis para remexer no meu próprio líquido amniótico. Talvez porque na maternidade eu encontre um poderoso caminho de autoconhecimento que no lugar de filha ainda não encontrei. É que ser filha me coloca diante de infinitas angústias e perguntas, enquanto ser mãe me traz esperança e me faz adentrar uma correnteza de respostas.
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.: Notas sobre a fome [fragmento]
Eu sei sobre a fome, porque já a senti me atravessar as veias – isso que as pessoas daqui aprenderam que tinha o nome de fome. Conheci o buraco vazio que avança, engolindo todas as beiradas de um desejo que não nasce na cabeça e que precisa de comida, tão forte é esse desejo.
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.: Canção para ninar menino grande
E depois, no decorrer de minha conversa com ela, quando já estávamos nós duas somente, foi que entendi. Era dor sim, a maior. E Juventina sabia qual. Dor de amor, ela me contou mais tarde. Não que estivesse apaixonada. Não, não mais. Não mais. Agora ela só era Juventina. Paixões eram do tempo que ela era Tina.
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.: Desejar é revide
Penso sobre corpo. Penso sobre o corpo nas minhas lembranças de infância – de quando ele brincava dócil na casa patroa, do choro das estrias por ter crescido demais, do incômodo pela chegada dos peitos que atraíam olhares, do olhar torto quando cheguei nos brancos e contrastei minha pele. Penso sobre corpo, no pudor da igreja e na dureza de aprender a escondê-lo atrás de um trabalho em caso de dor. Uma vez, eu ainda menina, me deram um prestobarba e me pediram para raspar os pelos do sovaco que começavam a despontar. Essa senhora me dava a navalha e dizia: “gente da sua cor pode feder com esses cabelos”.