[ arquivo ]
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.: Jusante, Caroço
Tem algo crescendo dentro de mim
Aperta minhas vísceras e
Toma o espaço por elas ocupadoInfla, como baiacu
Expande feito grama no campo
Alonga desafogado o tal algo -
.: Fica viva
eu choro alto eu engasgo
a minha carne exala e arde
eu não peço pra parar não queria?
e se eu morrer queimada tia
eu vou feder
com minhas irmãs
o continente inteiro -
.: Eu perdi minha mãe na praia
sempre fiz o trabalho
por nós duas
na construção de nossos castelinhos de areia
na beira da praia
era eu que enfiava meus dedos aguados
entre areia concha sal -
.: cotidiano
não tem ninguém esperando no banquinho de cimento na frente do portão
cotidiana é a saudade de um amor que me levante
mesmo que a dor seja em outro lugar -
.: Tempo
Às vezes
eu queria abraçar o tempo
para que o tempo se acalme.Eu
acostumada a chegar aos lugares
sempre cedo demais ou tarde demais.
Nunca a tempo.Eu que caminho tarde adentro
como se estivesse prestes a perder
o último metrô. -
.: anti-memória
saudade do vão da escada onde nunca me sentei a crochetar
pintar fitar o nada; contar do teto cada ponto mancha vinco.
saudade. da tinta opaca nunca pegada à parede da sala.
saudade de cada recado jamais escrito na lousa-casa-não-ter-
sido. das festas tantas varando a noite e a madrugada anti-
silêncio anti-lei ou nada. saudades da comida não preparada
louça-peças-pedaços-nós nunca comprados. -
.: Garota, mulher, outras [fragmento]
elas entraram em cena há sete e três anos, respectivamente, e são mulheres independentes que têm vidas cheias (e filhos) fora do relacionamento com ela
não são grudentas nem carentes nem ciumentas nem possessivas, e de fato gostam uma da outra, então, sim, às vezes elas se permitem um pequeno ménage à trois
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.: Ancestralidade feminina
O amor é como um bordado:
meu nome gravado nas toalhas com as letras cuidadosamente desenhadas,
o crochê das tias, dedos que dançam para escrever o afeto,
as roupas costuradas pela avó com os restos dos sacos,
a bainha da calça feita pela mãe,
também eu – interessada nas arpilleras hermanas – compro novelos no mercado central.Costurar, remendar, cravar no tecido (da pele) a história.
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.: Re-escrituras para Cintura Fina
É sabido que a imprensa ainda utiliza a lógica transfóbica para se referir a nós, pessoas trans. Nos matando em suas manchetes mesmo quando o corpo já não respira e o sangue já não circula. Mas me chama a atenção a associação de Cintura Fina a uma malandra, já que naquela lista, além de “refinada malandra”, constavam ainda “malandra incorrigível” – que eu acho lindo – e “malandra”. Somente “malandra”.